Em tempos não muito distantes, ancorado ao balcão de boteco um tipo matuto tomava cachaça, de súbito entra um bacuri meio barrigudinho que puxa-lhe a perna de calças, engoliu a cachaça numa talagada só e fitou a criança, que disse: Papai quero um doce, aquele ali.
- Pra que cê que doce, doce istraga us denti menino sua mãe não ti insinou isso não? Vai brinca lá fora, buteco não e luga de criança. A criança insistiu: Papai mamãe disse que muito doce istraga us denti sim, mais que um só de veiz im quando, não faiz mau, não. Em tom áspero retrucou o matuto: Já falei pra ocê sai daqui, sua mãe não sabe o que fala seu mau inducado. Da um dolorido cascudo na criança, que ao sair porta a fora com os olhos lacrimejantes cumprimenta outro tipo que acaba de chegar. Bênça padin. Correndo para fora, senta em um toco a porta do boteco soluçante a resmungar sozinho.
- Tarde cumpadre! Bebendo por conta, já intrego a coieta, né?
- Intreguei mais us homi da maquina inda não pago, to bebendo por conta de uns caraminguás que o cumpadre Círço me deu pra paga o acero que fiz pra ele lá na beira da capuera. Vim só compra uma lingüiça pra armoçar aminhã, é domingo, né?! E as galinha lá de casa tão revortada com galo, num tão botano nada. Alias, Juvena corta uns dez gomo dessa mineira ai, vô manda o meleque leva pra veia já ir ajeitano a janta, e também pra ele sai daqui, sabe comé, senão vai fica aqui me apurrinhano.
Já de posse do embrulho ralha com a criança: Vem cá muleque, leva pra sua mãe fala pra ela frita uns três desse que já, já to chegano pra come, to com uma fome de leão essa branquinha me abriu o apetite, e vê se vai dormir, quano chega lá quero te vê no ninho.
- Ô cumpade toma uma comigo, ô Juvena bota outra pra mim, passa a régua e uma aqui pro cumpadre, só que a dele é queimadinha pó passa a régua também hoje é por minha conta que tenhu sobrano.
Queimada é cachaça misturada com algum outro tipo de bebida escura, conhaque, jurubeba, fernete, etc...
A cachaça que ele estava tomando, nos valores de hoje custaria em media de cinqüenta centavos a um real, ele já tinha tomado umas três, a do compadre por volta de um a um real e cinqüenta centavos. O doce que a criança queria custaria por volta de sessenta centavos.
- Bota um tubo no picuá que vou levar pra toma aminhã.
Outro dia eu vi um cidadão em um supermercado acompanhado de uma criança de uns dez anos, no carrinho o trivial, talvez o equivalente a uma cesta básica, mais uns três pacotes de cervejas em lata e uma garrafa de vodka. A criança com um pacote de fandagos nas mãos disse: Papai compra pra mim? – Larga isso ai menino, isso faz mal, tem gordura trans. Confesso que ficar perplexo foi inevitável, é certo que a justificativa procede, mas como justifica então as três caixas de cervejas e a garrafa de vodka?
Hannaell Mendes
26/11/2011 – 00h35min