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sábado, 30 de janeiro de 2010

Orquestra dos Motores


Encolhido no seu buraco protegido por um gigante de ferro e concreto, agradavelmente passa as noites ao som da orquestra dos motores, embalado por suas canções de uma nota só, confortavelmente sobre uma placa de papelão que lhe protege da terra úmida, coberto por jornais, ainda com noticias fresquinha publicadas na edição do dia anterior. Noticia de primeira pagina: Senador é flagrado cobrando propina para liberar verbas destinadas à construção de casas populares. Noticia número dois: Confronto entre policia e traficantes deixa quinze mortos em favela (quatro crianças, oito trabalhadores inocentes, dois policiais e um traficante). Noticia número três: Após família tentar internação em quatro hospitais diferentes, trabalhador morre na porta de um hospital a espera de atendimento médico (ele pagava seu plano de saúde - SUS). Éh!! Se não fosse as noticias com iria se cobrir!?!
Tudo isso acontece enquanto descansa tranqüilo no seu buraco depois de um intenso dia de ociosidade... Claro, nem todos seus dias são ociosos, em alguns, seu estomago revoltado e persuadido pela anarquista fome obriga-lhe a caminhar por algumas horas, bater em algumas portas a procura de algo que possa acalmar a revolta anárquica de seu estomago. Outro dia conseguiu um copo de leite quente, mas não lhe caiu muito bem, dentro de seu estomago revoltado o leite coalhou logo... Humm!!! Não foi legal. Bem na maioria das vezes o que consegue e gosta muito são os pães. Alguns duros como pedras outros muxibentos, feito goma de mascar. Porem mediante a revolta de seu estomago instigado pela anárquica fome, costuma nem prestar atenção nestes detalhes. Então quase sempre quando o relógio da matriz bate meio dia, senta a beira da fonte encravada no meio da praça central. À noite e em épocas festivas ela (a fonte) tem suas luzes acesas e põe-se lançar bem alto, esguichos d´água, em perfeita harmonia, como se estivesse a dançar ao som da orquestra dos motores. Bom mas há esta hora ela apresenta-se calma, então apanha um pouco de suas águas e devora com prazer os pães secos, sempre alternando, uma mordida e um gole d´agua. Depois volta tranqüilo para o seu buraco. E quando a tarde anuncia a rendição do sol pela noite que lhe aconchega, mesmo seu estomago não estando em revolta engole com calma e em tirinhas os pães murchos (não gosta de deixá-los para o dia seguinte, podem endurecer e repetir pela manhã a cena do almoço do dia anterior, pode não ser legal). Então!!! Quando termina seu longo, cansativo e ocioso dia, descansa em paz no seu buraco sobre tua macia placa de papelão confortavelmente coberto com as noticias publicadas no dia que se seguiu.
Ah!!! Se ele pudesse...
Gosta tanto da orquestra...
Se não fosse esse seu revoltado estomago...
Instigado e dominado por esta anárquica fome...
Que lhe obriga a caminhar...
A bater palmas...
A tocar campainhas...
Em busca dos miseráveis pães, duros ou muxibentos...
Passaria sua vida inteira ali, sentado a beira do seu buraco, ouvindo a orquestra dos motores...


Hannaell Mendes
16/12/2009 – 01h35min
Texto publicado na Edição do Jornal Oeste Noticias, 19 de Dezembro de 2009

2 comentários:

  1. Filosófico realista nú e cru - doi porem ensina - abre olhos.

    é isso aí...e vamos publicar logo seu livro ...merece!

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  2. Nossa! senti-me realmente injusta com as notícias diarias que ao cobrir o desespero, perde-se na real verdade.
    Obrigada amigo cido.
    Amei o texto, mas sabemos q a verdade realmente exclarece.

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